Retórica não é suficiente

Embora Lula da Silva tenha chamado a guerra de Israel contra os palestinos de genocídio, o presidente brasileiro deve avançar em ações concretas para enfrentá-lo.

Foto da Copa da Solidaridade entre Israel e Brasil, 2008. Imagem do dominio público via picryl.com.

Em fevereiro deste ano, o presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, se posicionou publicamente, declarando: “O que está acontecendo em Israel é um genocídio. São milhares de crianças mortas, milhares desaparecidas. E não estão morrendo soldados, estão morrendo mulheres e crianças dentro do hospital. Se isso não é genocídio, eu não sei o que é genocídio.”

Esse posicionamento do presidente, após o resultado parcial da Corte Internacional de Justiça (CIJ), soma voz a uma movimentação internacional em solidariedade à Palestina, fortemente encabeçada pela África do Sul. Apesar das necessidades de resolução imediata do conflito ainda estarem longe de serem realmente efetivadas, por envolverem interesses do colonialismo ocidental no Oriente Médio, as articulações internacionais seguem em curso.

Em março, após esse rebuliço das declarações de Lula, Israel bloqueou a ajuda humanitária do Brasil em Rafah. As 30 caixas de insumos incluindo filtros de água e freezers, foram bloqueados pelas forças militares israelenses, alegando que a entrega que estava junto com outros 400 pacotes, seria “incompatível e perigosa para a segurança do Estado de Israel”. Os insumos foram retidos e enviados para um galpão da Cruz Vermelha em Atish, outras ajudas humanitárias também têm sido bloqueadas.

Somando voz a comunidade judaica brasileira que é contrária ao genocídio palestino, o Coletivo Vozes Judaicas por Libertação, soltou uma nota, dias depois do discurso, em suas redes sociais, apoiando o presidente e destacando alguns pontos importantes que foram mencionados na reunião de Lula com o presidente do Egito, Abdul Fatah Al-Sisi, na sessão dos países da Liga Árabe, no Cairo. Sendo elas, a confirmação de uma nova ajuda humanitária do Brasil para a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA); a necessidade de criação de um estado palestino que incluem a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental; o pedido urgente de cessar-fogo, em conjunto com a liberação dos reféns e o fim deslocamentos forçados do povo palestino.

Apesar das declarações de Lula tensionarem o debate internacional e, em especial, nas alianças da esquerda na América Latina, o movimento brasileiro pró-palestina gostaria de ver Lula avançar em ações concretas. Com isso, destaca-se o abaixo assinado enviado ao governo – e ainda aberto para novas assinaturas – que tem como signatários políticos: mandatos ativos de esquerda como a Bancada Feminista, figuras públicas e artistas, como o cantor Emicida, e sindicatos, movimentos sociais e de solidariedade palestina, como o Movimento sem Terra (MST) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Dentre as exigências que foram mencionadas nessa articulação nacional, encontra-se a suspensão imediata de todos os acordos de importação e exportação comercial, o fim das relações militares e de compra de equipamentos de guerra, e também, que todas as pessoas brasileiras com envolvimento em crimes de direito internacional relacionado ao genocídio sejam processadas, julgadas e responsabilizadas judicialmente. Visto que se o Ministério das Relações Exteriores e o próprio Presidente, declararam apoio a África do Sul contra Israel, na CIJ – o Brasil tem a obrigação de realizar ações concretas e emergenciais.

Em entrevista na Etiópia, Lula declarou que as condições dos palestinos eram comparáveis a situação dos judeus durante o nazismo, em resposta, o então Primeiro-Ministro de Israel Bejamin Netanyahu disse que Lula teria cruzado uma “linha vermelha” e que seria convocado para uma “dura conversa de repreensão”, pois, suas palavras teriam sido “vergonhosas e graves”. Também diante do ocorrido, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, declarou Lula como persona non grata. O termo jurídico costuma ser utilizado nas relações internacionais, para indicar que um representante oficial de outro país não é bem-vindo.

Por outro lado, para além do posicionamento público, existem diversas ações que o governo brasileiro precisa avançar, para de fato romper e causar danos econômicos e diplomáticos à Israel. Uma das questões centrais dessas relações, seria a que o Brasil é um dos principais compradores de equipamentos militares de Israel, especialmente, depois dos megaeventos, quando houve aumento da truculência policial com a suposta justificativa de trazer segurança (ou insegurança) para os Jogos Pan-americanos (2007), a Jornada Mundial da Juventude (2013), a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). As tecnologias de guerra implementadas, foram testadas contra os palestinos, entrando no país por meio das negociações com a International Security & Defence System que forneceram equipamentos de guerra, e também supervisionaram na região o uso dos armamentos.

Esses grandes eventos ocorreram na cidade do Rio de Janeiro, conhecida no turismo como a “Cidade Maravilhosa”, é o mesmo território onde a população negra sofre genocídio através da truculência da Polícia Militar, criada durante o período da escravidão, que invadem as favelas cotidianamente. As realidades e as contingências de cada um dos territórios (brasileiros e palestinos), são particulares, mas pontos importantes possuem semelhança, como o uso de equipamento militar israelense e a violência racial que no Brasil acomete a população negra e na Palestina, os árabes.

As conexões entre as favelas do Rio de Janeiro e a questão palestina, podem ser melhor entendidas no livro publicado pela Editora da Universidade Federal de São Paulo, Às Margens da Cidade e do Estado: Campos Palestinos no Líbano e Favelas Cariocas espelhamento entre os campos de refugiados palestinos no Líbano e as favelas brasileiras (2021). A antropóloga Amanda Dias investigou os processos sociais, identitários e as interações dessas populações com o Estado e a sociedade, focando nas estratégias de sobrevivência e nas redes de ajuda mútua, destacando a importância dos “intelectuais das margens” para compreender a vida nesses ambientes marginalizados.

Apesar das condições serem similares – por estarem em situações de violência e marginalidade – parte significativa da população das favelas que são evangélicas, compram os discursos da extrema-direita, representada pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro, em oposição direta ao Lula. Bolsonaro, ao alinhar a bandeira do Brasil a de Israel, constrói um discurso de que os israelenses teriam o suposto direito a uma terra sagrada, e assim, os evangélicos defenderiam essa ideia, compreendendo os palestinos como os terroristas dessa história, deslocando completamente as razões políticas e econômicas que perpassam os conflitos.

Vale destacar alguns marcos históricos pertinentes das relações diplomáticas entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a Palestina, esse legado remonta a 1975, quando a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), na qualidade de movimento de libertação nacional, foi autorizada a designar um representante em Brasília. Em 1993, o Brasil assegurou a abertura da delegação especial palestina em Brasília. Esse movimento reforçou a presença diplomática da Palestina no país, e em 1998, o status desta delegação foi oficialmente equiparado ao de uma embaixada.

Foi apenas em dezembro de 2010, que o Brasil reconheceu formalmente o Estado da Palestina, considerando as fronteiras anteriores à Guerra de 1967, gesto significativo de apoio à autodeterminação palestina, sendo esse posicionamento fundamental para as articulações no Sul Global em apoio a causa.

No campo da cooperação humanitária, desde 2007, o Brasil destinou mais de US$ 23 milhões para diversas iniciativas voltadas para a Palestina. Estas contribuições incluíram doações de recursos, medicamentos e alimentos, sendo canalizadas principalmente para a Autoridade Palestina, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) e o Programa Mundial de Alimentos da ONU (PMA). Este apoio demonstra o compromisso contínuo do Brasil, em auxiliar na mitigação das dificuldades enfrentadas pelos palestinos, especialmente os refugiados.

Não podemos negar que o histórico brasileiro e as declarações de Lula ecoam e tensionam mundialmente um posicionamento favorável ao cessar-fogo, mas é necessário avançar com medidas concretas, como as que foram indicadas no abaixo assinado do Coletivo Vozes Judaicas pela Libertação, enviado ao gabinete presidencial. Assim como, apoio aos bloqueios diplomáticos e comerciais à empresas e produtos israelenses, promovidos pelo Boicote Desinvestimento e Sanções (BDS). Em conjunto com essas e outras ações, temos uma forte rede no país que tem se posicionado e desenvolvido manifestações de rua frequentes em solidariedade, desde outubro de 2023.

Compreende-se que o genocídio palestino em curso, também possui uma singularidade, por ser caracterizado como um processo de “limpeza étnica”, conforme indica a historiadora brasileira Débora Frias. Essa classificação seria feita pois, além da violência, expulsões e massacres exercidos por Israel, existe uma intenção de silenciar as vozes dos palestinos no território, “além de empregar formas de apagá-los de uma memória e história oficial” e “desarabizar” o território.

Para além do âmbito federal e acadêmico, encontra-se ainda no Brasil, atividades auto-organizadas como parte do apoio popular à causa palestina, que se consolidam em diversas frentes, em movimentos políticos e culturais. Como a presença das bandeiras da Palestina no festival cultural brasileiro, conhecido como Carnaval; em eventos acadêmicos como a Jornada Afroasiática de História, na Universidade Federal de São Paulo, em Guarulhos; Centro Cultural Al Janiah; e, em páginas nas redes sociais, como a Desoriente-se e a Juventude Sanaúd.

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