A jaula de aço do Presidente João Lourenço
Preocupado em atrair investimentos estrangeiros e combater à corrupção ao administrar uma divisão no partido no poder, o presidente angolano João Lourenço ignora o seu aliado mais forte: a sociedade civil jovem.
O título desse texto “jaula de aço” refere-se ao “pesadelo” do pensador alemão Max Weber no que à racionalidade burocrática diz respeito. Weber na sua incessante busca sobre os marcos da burocracia nas sociedades modernas viu-se enjaulado nos seus propósitos analíticos face à realidade e ao percurso dessas sociedades. Eu faço uso dessa metáfora da “clausura weberiana” para visualizar aquilo que o cenário político angolano nos tem dado a ver. Eu visualizo a mesma clausura propiciada pelo sistema político no que atuação do combate à corrupção levada a cabo pelo presidente angolano diz respeito.
O combate à corrupção principalmente no interior do partido que governa Angola ameaça abrir uma fissura política ou, no máximo, a implosão do MPLA. Lourenço seguramente terá de escolher entre manter-se aliado à sociedade abrindo-se ao debate democrático e plural, libertando o Estado ou a manter-se enjaulado no interior do seu próprio partido, protegendo os novos grupos económicos à sua volta e afastando os antigos grupos dominantes colaboradores diretos de Dos Santos.
O descaso da política e desgaste de José Eduardo dos Santos abriram as portas para a sucessão na presidência da república e no interior do MPLA. Em 2016, Dos Santos, sob o cerco apertado devido à pressão social fez a promessa de abandonar a vida política ativa, o que originou que no interior do seu partido escolhesse ele próprio o sucessor. Previa afastar-se da presidência da república, mas mantendo-se na presidência do MPLA, controlando o poder político a partir dos corredores da sede do partido e dos monopólios económicos. Enganou-se nas aparências.
Em 2017, nas vésperas das eleições gerais, João Lourenço assumiu-se como o escolhido de Dos Santos e de forma a capturar atenção dos eleitores angolanos desencantados com o seu partido prometeu combate cerrado à corrupção e à impunidade no país, principalmente no interior do seu partido. Pois, para as condições atuais de Angola, o seu partido foi a principal porta de entrada a partir do qual alguns indivíduos obtiveram facilidades e privilégios durante o período que desempenharam funções de destaque na estrutura do Estado. O Estado, no que lhe concerne, foi o meio por excelência do qual pouquíssimos se tornaram a classe política dominante que enriqueceu economicamente associados ao desejo de Dos Santos de criar, em tempo record, uma burguesia nacional que seria o motor da prosperidade económica e social dos angolanos.
A partir do momento em que atenção de Lourenço se voltava para o interior do seu próprio partido, aquilo que parecia uma concertação de camaradas, transformou-se numa luta interna para o controlo quer da máquina do Estado, com a presidência da República, quer do MPLA, partido que suporta o governo. Desde esta ocasião que pelo menos dois grupos se têm confrontado no campo político e económico. Lourenço encabeça um desses grupos, ao passo que o seu antecessor e colaboradores diretos (por exemplo, os filhos e os generais, sobre quem já escrevemos) encabeçam o outro grupo.
Ora, a jaula de aço de João Lourenço é precisamente o facto de, por um lado, pretender combater à corrupção e à impunidade no interior do seu próprio partido, em que poucos se tornaram ricos e poderosos à custa do erário público e com o apoio de empresas, multinacionais, consultoras estrangeiras, de bancos privados internos e externos, e, por outro, atrair investimento estrangeiro cuja a moeda de troca é a dependência de Angola desse capital, com garantias fortíssimas da sua exportação para o exterior. Ocorre, porém, que os níveis de vida e as condições materiais da sua estrutura social fazem de Angola um país fortemente dependente não só da exportação do petróleo, mas também da importação de produtos diversos para o mercado interno. Há, por conseguinte, um nível elevado de dependência externa da economia angolana.
João Lourenço encontra-se enjaulado numa herança maldita deixada por Dos Santos. Pretende, por isso, desfazer-se a todo o custo dessa jaula de aço com uma política de aumento da austeridade com a bênção do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que tem resultado na corrosão da moeda nacional face ao dólar norte-americano e no desinvestimento público na economia. Se, por um lado, com a mão esquerda combate à classe dominante que tinha em Isabel dos Santos o seu rosto mais visível internacionalmente, por outro, com a mão direita entrega de bandeja importantes investimentos públicos em sectores estratégicos para grupos com reputação no mínimo duvidosa e a ele próximos.
Passados três anos desde que se tornou Presidente da República, João Lourenço não tem conseguido dar respostas políticas as graves carências sociais, greves de trabalhadores, salários miseráveis, empresas a dispensarem trabalhadores, desvalorização da moeda, problemas nos sectores da educação, saúde e assistência social a população mais vulneráveis. Em suma uma onda gigantesca de desinvestimento público na economia que aplicado em sentido contrário ajudaria para retirar do sufoco milhares de angolanos. A penúria tem sido agravada sobretudo nos segmentos da população mais carenciados, o número de pessoas paupérrimas tem aumentado no interior do país, reeditando o fenómeno de pedintes nas ruas de Luanda, uma marca flagrante e escandalosa dos tempos da guerra civil dos anos 90 do século passado.
A alternativa a essa jaula de aço que se lhe apresenta será olhar para a sociedade angolana sobretudo jovem e vibrante tendo como base um programa político realista e democrático—uma visão de país—encaminhando-se para escolha de opções políticas aceitáveis e economicamente recomendáveis, dialogando com as forças sociais disponíveis de forma abertura, criando, por via disso, condições mais seguras para desfazer-se das muralhas políticas que persistem nas estruturas do aparelho do Estado desde o judiciário ao parlamento, onde se encontram personalidades com perfis e reputação no mínimo duvidosos. Pela via da sociedade civil Lourenço encontra uma geração jovem, muitos dos quais não viveram a guerra civil, com vontade de mudança e alteração das antigas estruturas políticas e cívicas que já nada significam para a sua vida e para o seu futuro pela forma como olham para o país.
Movidos pelas reivindicações sociais de melhoria das suas condições de vida, mas também pela autarquização do país, as (plataformas) juvenis que pululam por pelo menos três municípios de Luanda ( Cacuaco, Cazenga e Viana) e de algumas capitais provinciais (Malanje, Benguela e Luena) constituem formas alternativas (Movimento Revolucionário, em Malanje, Benguela e a Associação Cívica Laulenu no Moxico) renovadas de pensar e agir politicamente fora dos palcos políticos partidários tradicionais (FNLA, MPLA e UNITA), assim como das antigas associações cívicas. O forjar de formas alternativas da ação política via cidadania entorno da sociedade angolana encontra visibilidade em Cacuaco, com o “projeto Agir”, no Cazenga, com o “Cazenga em Acão” e no “Movimento Estudantil Propinas Not”, que estando voltadas para a reivindicação de direitos sociais e políticos marcam passos cruciais na esfera pública angolana.
Esta força juvenil aparentemente desarticulada que se mobiliza para pensar e agir como alternativas aos espaços de participação política e cívica estende-se também para outras regiões de Angola. A mesma mobilização social que assume forma variável verifica-se em Malanje, contra a gestão pública do governador da província Norberto dos Santos; em Benguela, contra a gestão do governador Rui Falcão; e no Moxico, província do leste, contra a gestão pública do governador Gonçalves Muandumba.
Sucede que, em pelo menos quatro províncias com Luanda incluída, ao nível municipal, esses jovens influenciados pelas dinâmicas do passado e do presente têm pressionado João Lourenço que mantém no seu elenco parte considerável dos gestores públicos do regime de Dos Santos. A questão é: Lourenço percebe que esses jovens—irreverentes e sem interesses políticos pessoais—podem ser os melhores aliados que ele tem no atual contexto político?